terça-feira, 3 de junho de 2014

Promotoria orienta que sem-teto deixem as ruas em Porto Alegre


Em Porto Alegre:

Recomendação do Ministério Público é baseada em diretrizes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)

Em meio à preocupação dos moradores de rua de Porto Alegre sobre remoções durante a Copa do Mundo, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público tem orientado para que os sem-teto deixem as ruas. A recomendação é para que órgãos e instituições auxiliem os moradores de rua a procurar albergues e abrigos da prefeitura para não correrem o risco de se tornarem vítimas de violência.
A promotora Liliane Dreyer Pastoriz expediu a recomendação com base em diretrizes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com o objetivo de guiar o comportamento das polícias e órgãos como a Guarda Municipal durante o período do Mundial. Medidas semelhantes estão sendo tomadas em todas as capitais que receberão jogos.
— Pedimos que seja intensificada a abordagem de rua no sentido de que os moradores sejam orientados desde logo a sair da rua e buscar abrigos e os albergues voluntariamente para evitar eventuais conflitos e não se submeter a riscos — explica a promotora.

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Ainda que preventiva, a recomendação é embasada na ocorrência de casos como os de Salvador e Recife, onde moradores de rua foram levados a locais distantes das áreas centrais das duas cidades durante a Copa das Confederações de 2013.
A Guarda Municipal afirma que somente acompanha abordagens a moradores de rua, feitas pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão da prefeitura que atende essa população. A Brigada Militar também acompanha abordagens da Fasc, e garante que só age mediante solicitação do órgão da prefeitura.
 
Sensibilidade e humanização
A recomendação da promotoria às autoridades policiais e instituições que atendem os sem-teto é que ajam com "sensibilidade e humanização", não pratiquem violência física ou moral e façam uma abordagem adequada, orientando-os a buscar os equipamentos que a prefeitura oferece (abrigos e albergues).
Também foi solicitado que autoridades policiais não façam prisões para averiguações — detenções devem ser feitas apenas se ficar evidenciada a prática de algum crime. No momento da abordagem, os agentes devem estar usando crachás ou outros meios de identificação. Em caso de delito, pode haver revista a moradoras de rua, mas deve ser feita somente por outra mulher.
 
Moradores temem ser removidos
Nas últimas semanas, boatos sobre uma possível remoção das pessoas que vivem no Centro Histórico, nas imediações do Beira-Rio e em regiões que serão visitadas por turistas durante a Copa têm assustado a população de rua de Porto Alegre. Uma das histórias é sobre uma Kombi que leva os sem-teto para Cachoeirinha, conta o fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke:
— O boato não nasce do nada. Alguma coisa deve ter chamado a atenção de alguém.
Outro relato de remoção ocorreu nas imediações da Rua Aureliano de Figueiredo Pinto, no cruzamento com a Rua João Alfredo. Em um terreno onde fica uma seringueira centenária, um grupo de moradores de rua conta que foi convidado a sair do lugar onde está em troca de R$ 400 por semana em um sítio de Viamão. O valor seria pago mediante a realização de trabalhos diversos, não especificado pelo grupo. A oferta teria partido de pessoas "bem educadas e gentis, que saíram de um Tempra quatro portas, estacionado na João Alfredo", segundo relatos do grupo. Dizendo-se desinteressados em ficar longe do Centro e ressabiados do que encontrariam no tal sítio, não aceitaram a suposta oferta.
A última contagem, de 2011, aponta que 1.347 pessoas têm as ruas da cidade como lar. Em uma ronda pela região central na madrugada da última sexta-feira, a reportagem constatou dezenas de pessoas dormindo em calçadas, praças, viadutos e sob marquises. Treze dormiam na entrada da Catedral Metropolitana. Também havia gente se abrigando sob o viaduto Dom Pedro I, que estará dentro da área de exclusão da Fifa em dias de jogos. Instalado em colchões na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Jose Montaury, um casal afirmou que pouco antes havia sido ameaçado por um grupo que, segundo eles, era formado por policiais.
— Eles falaram que temos três dias para sair daqui — disse a mulher.
Dois homens que caminhavam pela Avenida Borges de Medeiros afirmaram que não têm dormido à noite para se preservar de possíveis abordagens violentas. Eles preferem esperar que o dia amanheça para dormir algumas horas na Praça da Alfândega. Um deles tem tentado pernoitar em albergues, sem sucesso.
— Já fui três vezes, mas não tem vaga. Eles falam que, se quiser, pode dormir do lado de fora — disse o homem.
 
Grupos monitoram a situação dos moradores de rua
Na Câmara de Vereadores, um grupo de trabalho foi criado há um mês para investigar denúncias de abuso contra moradores de rua às vésperas da Copa do Mundo. A situação é acompanhada regularmente por organizações como o Centro de Defesa de Direitos Humanos (CDDH), que recebeu a denúncia de que a Guarda Municipal estaria envolvida em remoções de moradores de rua em pontos turísticos da cidade.
— Ficamos sabendo de uma uma remoção na noite do dia 24 de maio, às 23h, nas imediações do Laçador — afirma a técnica de referência da equipe do CDDH, Veridiana Farias Machado.
A informação é negada pelo comandante da Guarda, Nilo Sérgio Alves Bottini. Ele diz conhecer "a turma quase toda pelo nome":
— Se eu passar pelas ruas de Porto Alegre, eu conheço o Linguinha, o Mãozinha, o Dedinho, o João, o Anselmo. Eu desço do meu carro, cumprimento pelo nome e bato um papo com eles. Sei da história de muitos, conheço o camarada que perdeu a esposa e foi pra rua, conheço um camarada que caminha na rua com um cachorro e fala cinco idiomas, tem duas faculdades. A mulher o abandonou, o cara saiu para caminhar e não quis mais voltar para casa.
A CDDH recorreu ao Ministério Público para tentar decifrar casos como o desaparecimento da moradora de rua Maria Luiza Pepp, que vivia nas imediações do Hotel Everest e recebia atendimento do Consultório na Rua, uma equipe multidisciplinar que atende sem-teto. Esquizofrênica, negra e com cerca de 1m65cm de estatura, Maria Luiza desapareceu por volta de 9 de maio.
— Ela era conhecida dos moradores da região. Quando o pessoal do Consultório na Rua foi acompanhá-la, não a encontrou mais. Na comunidade, falaram que a última que vez que a haviam visto estava entrando em uma viatura da Brigada Militar — diz Veridiana.
A Brigada Militar, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que não faz a remoção de moradores de ruas.
 
Fasc abre 123 vagas extras na Operação Inverno
A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) nega que haja qualquer plano para tirar moradores de rua da região central durante a Copa. Segundo o presidente do órgão, Marcelo Soares, a função da Fasc é de se aproximar e cuidar das pessoas que vivem nas ruas.
A Operação Inverno, iniciada na segunda-feira e que se estenderá até o final de setembro, oferece 123 vagas extras em albergues e abrigos do município. São 30 vagas a mais que no ano passado.
— A população adulta em situação de rua acessa mais o serviço durante o inverno — explica o presidente da Fasc, Marcelo Soares.
Total de vagas da Fasc
Albergues — 355/dia
Centro Pop — 220/dia
Casa de Convivência - 140/dia
Repúblicas — 24/mês
Abrigos para indivíduos (homens e mulheres) - 185/mês
Abrigo de famílias — 50/mês
Idosos de longa permanência — 443/mês

Pessoas em situação de rua em Porto Alegre

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